Saber ouvir
Saí de manhãzinha de casa. Peguei na bicileta, a minha preferida, e comecei a andar.
Não sabia onde queria ir. Apenas que queria sair de casa. Estava a sentir-me ali mal e precisava de respirar. Respirar um ar que não estivesse carregado com o amargo aroma que uam discussão provoca.
Tinha sido na noite anterior. Era suposto serem uma férias no campo... Mas, eu discuti, ele discutiu e fomos dormir separados, sem uma única palavra de boa-noite. Ouvia-o respirar no quarto ao lado, uma vez que a casa, já velha, tem paredes muito fininhas que deixam passar todo o som. Sentia a respiração acelerada própria de quem acabou de gritar. Queria saber quais os seus pensamentos, o que sentiria naquele momento. Porém, apenas ouvi a sua respiração começar a estabilizar e, presumi eu, ele a deixar-se dormir.
Acordei apenas quando o ouvi sair de casa. Não sabia para onde ele tinha ido mas decidi também eu sair. Talvez fosse isso, talvez ambos precisássemos de respirar.
Continuei a pedalar até chegar a um lago que ali havia. A água era cristalina, constrastando com a minha alma. Sentei-me na relva e fechei os olhos como que em busca de uma resposta, de uma explicação, de um alento. Inspirei. Expirei. Abri os olhos e lá estava ele, bem ao meu lado, também de olhos fechados.
Deu-me a mão e continuou de olhos fechados. Fechei os meus também.
Afinal, todas as palavras estavam já a ser ditas. Tinha era de saber ouvi-las.